Cerimônia não é vaidade: é estrutura de sentido para o afeto e para o futuro
- relatorio6
- 22 de abr.
- 3 min de leitura
Por Luiz Henrique Arruda Miranda
“Não é o Cerimonial que estraga prazeres, ele zela pela harmonia de todos os momentos ritualísticos e busca realizar conexões afetuosas e memoravelmente felizes*.” A frase de Andrea Nakane, pesquisadora e especialista em turismo e hospitalidade, não apenas sintetiza com exatidão o papel nobre dos profissionais de cerimonial, como nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o significado dos rituais, sua função social e — por que não? — sua analogia com o próprio tecido da convivência humana.
Na superfície, Andrea responde à crítica rasa que coloca o cerimonial como um “inimigo da espontaneidade”, uma visão míope frequentemente evocada em situações como casamentos, formaturas e eventos solenes. Mas, ao mergulharmos na essência dessa frase, entendemos que o que está em jogo é algo maior: o respeito aos ritos como guardiões da ordem simbólica que sustenta a civilidade. O cerimonial, longe de ser uma formalidade vazia, organiza os gestos para que o afeto possa florescer com liberdade — não com desordem. Como afirma o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, “a sociedade da transparência e da espontaneidade aboliu o sagrado em nome da performance individual”, esquecendo-se que a liturgia das relações é, justamente, o que nos permite viver em harmonia.
Esse princípio extrapola o ambiente dos salões de festa e se aplica ao macrocosmo das relações globais. Tomemos como exemplo a política econômica adotada unilateralmente por Donald Trump, em que a diplomacia e a reciprocidade — os “cerimoniais” da convivência internacional — foram abruptamente substituídos pela lógica do "America First". Tarifas impostas sem negociação, acordos comerciais desmontados com desdém e a imposição de regras segundo os interesses exclusivos de uma potência transformaram o sistema econômico mundial em um campo de imprevisibilidades.
Essa atitude, comparável ao convidado que interrompe a cerimônia de um casamento para defender sua playlist pessoal, mina estruturas de confiança construídas ao longo de décadas. As consequências são claras: instabilidade de mercados, aumento das tensões entre blocos comerciais, retrocesso na cooperação ambiental e prejuízos diretos para economias emergentes como a do Brasil — país que, ao contrário, vem reafirmando seu compromisso com os pilares do desenvolvimento sustentável.
Mesmo diante do negacionismo corporativo e político que tenta esvaziar o valor do ESG (Environmental, Social and Governance), é evidente que países que organizam sua economia com base nesses princípios estão construindo uma trajetória civilizatória com mais propósito, mais equidade e mais futuro. O Brasil, embora jovem como nação, tem maturidade para entender que as cerimônias — em seu sentido mais amplo — são ferramentas de continuidade, não de estagnação. Elas servem para projetar valores coletivos para além do presente imediato.
Aqueles que enxergam o planeta como um terreno provisório, e vislumbram a vida em Marte como alternativa plausível, estão — parafraseando Yuval Noah Harari — mais próximos do Homo Deus do que do Homo Sapiens. Mas essa jornada sideral, que pode ser acompanhada apenas por um grupo seleto de bilionários, como o senhor Elon Musk, cuja fortuna já ultrapassa os US$ 342 bilhões, não é solução para a esmagadora maioria da população. *A verdadeira evolução está em organizar com sabedoria, responsabilidade e beleza o que fazemos aqui e agora.
Respeitar o cerimonial — seja em um casamento, em uma cúpula diplomática ou em um plano de governo — é respeitar o outro. É respeitar o tempo, a história, a memória e o que ainda está por vir. A desorganização, travestida de rebeldia, é o caminho mais curto para a ruptura dos laços que nos unem. Celebrar, com método e alma, é o que nos torna verdadeiramente humanos.
*Luiz Henrique Arruda Miranda é Comunicador Social e CEO da Agência Amigo – Comunicação Integrada, skalega, publisher do portaldohoteleiro.com.br, da Revista Visite Guarujá e diretor de Comunicação e Marketing da Skål Internacional São Paulo
Comments